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Quando meus amigos se tornaram estranhos?

Passo pela rua. É uma daquelas vias entupidas de gente e barulho, uma avenida bem comprida, pessoas atravessando, empurrando e falando tão apressadamente que seria impossível um ser humano normal acompanhar tantas vozes.
E em meio a tantas pessoas, encontro seu olhar.
Você era meu amigo no colegial. Do tipo de amigo que você divide o lanche e os segredos com a mesma facilidade que respira. Fazia anos, mas ainda conseguia encontrar os traços que te definia naquele corpo adulto. O sorriso apolíneo e charmoso, a covinha no canto esquerdo da bochecha. Seus olhos, a mesma cor, o mesmo castanho escuro, a mesma intensidade e enigma.
Era você.
Nossos olhos se encontraram por um décimo. Cruzando, enquanto o mundo parecia parar de girar.
Então tudo acabou. Prosseguimos em lados opostos, embora meu coração palpitasse por uma palavra apenas.
Quando nos tornamos estranhos?
Caminhei pensando com quantas pessoas isso tinha acontecido. Amigas pequenas na primeira infância, crianças que brincávamos e dividíamos vidas. Nosso grupinho de quando tínhamos dezesseis, garotos e garotas que olhavam para o céu e discutiam sobre o futuro.
Dezessete e falávamos sobre o vestibular, sobre duvidas e quebrar regras. Encontrávamos em festas com mais luzes do que a aurora e embriagávamos em sonhos que nunca se realizariam.
Virei para trás, mesmo sabendo que o chocolate de sua íris se perdera para sempre. Eu ainda me lembrava do seu nome? Ele começava com “L”, não é mesmo? Eu... Sabia antes até qual era sua sobremesa favorita e como gostava do café. Como eu pude me esquecer de algo tão incrivelmente simples?
Será que ele também se esquecera do meu? Será que ele guardara no mínimo uma pequena lembrança?
E, novamente, quando nós nos tornamos estranhos?
Quando melhores amigos se tornam completos estranhos?
Será que foi aos poucos ou foi uma atitude de supetão? Depois do ensino médio e de encontros ocasionais a distância  entre nós teria se tornado algo permanente?
Quando foi que deixamos que isso acontecesse?
Mesmo toda a tecnologia do mundo moderno não era capaz de eternizar antigas amizades. Uma voz que ouvia com a mesma freqüência que sintonizava a minha estação favorita do rádio, agora era um timbre que não conhecia. Minha risada favorita era apenas uma lembrança apagada.
Será que sua imagem um dia se apagaria e eu não lembraria nem mais a cor de seus olhos? Acharia que ele é apenas mais um tom na multidão? Deveria escrever isso em um papel para saber que você um dia passou pela minha vida? Quantas pessoas tinham passado por ela e tinha esquecido?
Eu era jovem na época. Eu era jovem demais hoje. Imatura o suficiente para continuar andando, guiada pela maré de uma direção oposta.
Espero ser velha o suficiente amanhã. Experiente o bastante para deixar que alguns amigos entrem na minha vida. Uma amizade que dure mais que um período da vida, mas tudo que resta dela.

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